Fábio Duarte e Rodrigo Firmino
Era 1988, e Mark Weiser, então chefe do setor de tecnologia da Xerox, previa que uma miríade de
sistemas tecnológicos perpassaria nossos ambientes físicos e biológicos. Um mundo repleto de máquinas, computadores e sistemas que se comunicariam entre si e agiriam e tomariam decisões pelos seres humanos. E a história da relação entre o humano e o computador poderia ser dividida em três fases: muitas pessoas operando uma máquina (mainframe); uma pessoa, uma máquina (computação pessoal); muitas máquinas por pessoa (computação ubíqua).
sistemas tecnológicos perpassaria nossos ambientes físicos e biológicos. Um mundo repleto de máquinas, computadores e sistemas que se comunicariam entre si e agiriam e tomariam decisões pelos seres humanos. E a história da relação entre o humano e o computador poderia ser dividida em três fases: muitas pessoas operando uma máquina (mainframe); uma pessoa, uma máquina (computação pessoal); muitas máquinas por pessoa (computação ubíqua).
Mas era, muito antes, um mundo de coisas. E as coisas existiam por si mesmas. E o humano vivia entre as coisas. E o humano, para sobreviver entre as coisas, e para dominar o mundo de coisas, buscou entendê-las. Frágil, não podia apossar-se delas, tomá-las para si. Mas foi capaz de entendê-las, em suas características físicas, biológicas, químicas. E o humano apropriou-se do mundo de coisas pelo seu entendimento. O humano sabia a coisa antes de possuí-la. E dominou-a. A coisa não valia pelo que era, mas pelas suas possibilidades. E o humano fez da coisa, ciência; e fez da coisa, objeto; e fez da coisa, ferramenta. Frutos ganharam valor pela semente – não pela saciedade da fome imediata, mas por evitar fomes futuras. Pedras tornaram-se muro – e a possibilidade de proteção. Ossos tornaram-se armas de caça – e a possibilidade de ingestão constante de proteína. E o mundo de coisas deu lugar ao mundo da ciência, dos objetos e das ferramentas. Ciência, objetos, ferramentas são o mundo de coisas entendido e transformado.
E o humano criou um mundo de objetos e ferramentas. Os objetos são o fim de um processo de entendimento e transformação de coisas. Em uma cadeira, senta-se. Em uma cabana, abriga-se. As ferramentas são o meio para que um fim, que está além e não contido nelas, seja alçado. No fim da lança, está o animal abatido; na lâmina do machado, está a cabana. O objeto traz em si o conhecimento cristalizado. A ferramenta ainda depende de um conhecimento em ação. O objeto cristaliza as características físicas da coisa da qual provém: a consistência e a envergadura da madeira, a dureza e o corte da pedra. Mas é da empunhadura, da velocidade da corrida, da inclinação da lança, que depende o abate.
Para a ferramenta se cumprir – e deixar de ser um objeto – é preciso energia para colocá-la em ação, e
conhecimento de como esta ação deve ser executada para que atinja o fim desejado: a técnica. O arpão, nas mãos de um pedreiro, terá energia, não técnica. A ferramenta sem técnica é apenas um objeto.
conhecimento de como esta ação deve ser executada para que atinja o fim desejado: a técnica. O arpão, nas mãos de um pedreiro, terá energia, não técnica. A ferramenta sem técnica é apenas um objeto.
E o humano vivia, então, em um mundo de conhecimento, objetos e ferramentas. Um mundo que ele
criou, pois entendeu e transformou as coisas. O humano entendeu as coisas ao ponto que não só delas fez objetos e ferramentas, mas as transformou em sua essência. A vacina é um vírus, uma coisa, entendida de tal modo que faz com que ele se volte contra si mesmo. A vacina é a coisa dominada, alterando a si mesma e ao próprio humano.
criou, pois entendeu e transformou as coisas. O humano entendeu as coisas ao ponto que não só delas fez objetos e ferramentas, mas as transformou em sua essência. A vacina é um vírus, uma coisa, entendida de tal modo que faz com que ele se volte contra si mesmo. A vacina é a coisa dominada, alterando a si mesma e ao próprio humano.
E o humano entendia também a energia e a técnica das quais as ferramentas dependem. E dominou-
as. E amalgamou-as nas ferramentas. E transformou-as em artefatos tecnológicos. A energia produzida junto à ferramenta, para que ela agisse sempre do mesmo modo, com a mesma intensidade. A máquina a vapor move-se a si mesma. Um motor a combustão move-se a si mesmo. E o humano recriou o seu mundo – seu, com a propriedade do possessivo – de artefatos tecnológicos. E reconstruiu o seu espaço. Fez do espaço-mundo o seu território. E povoou-o de artefatos tecnológicos. Que sabem o que devem fazer – foram imbuídos de um saber-fazer. Mas dependem de uma fonte de energia. Então, o humano entendeu a energia, dominou a mais propícia a ser distribuída rapidamente, e distribuiu-a por todo o espaço. E fez um mundo de energia elétrica distribuída e de artefatos tecnológicos. E recriou o seu espaço. E amalgamou espaço e tecnologia. E amalgamou-se a si mesmo à tecnologia. E o humano fez-se sinônimo de tecnológico.
as. E amalgamou-as nas ferramentas. E transformou-as em artefatos tecnológicos. A energia produzida junto à ferramenta, para que ela agisse sempre do mesmo modo, com a mesma intensidade. A máquina a vapor move-se a si mesma. Um motor a combustão move-se a si mesmo. E o humano recriou o seu mundo – seu, com a propriedade do possessivo – de artefatos tecnológicos. E reconstruiu o seu espaço. Fez do espaço-mundo o seu território. E povoou-o de artefatos tecnológicos. Que sabem o que devem fazer – foram imbuídos de um saber-fazer. Mas dependem de uma fonte de energia. Então, o humano entendeu a energia, dominou a mais propícia a ser distribuída rapidamente, e distribuiu-a por todo o espaço. E fez um mundo de energia elétrica distribuída e de artefatos tecnológicos. E recriou o seu espaço. E amalgamou espaço e tecnologia. E amalgamou-se a si mesmo à tecnologia. E o humano fez-se sinônimo de tecnológico.
E o humano arrisca-se a pensar que o artefato tecnológico é coisa, é um dado inerente ao seu espaço.
Água encanada, energia elétrica. Tecnologias que foram infiltradas no espaço que passam a constituí-lo em sua essência.
E então o humano voltou-se à sua característica fundamental: a linguagem. O mundo é entendido e
transformado quando representado, quando feito linguagem. O mundo dos artefatos fez-se fato. E para este conjunto de artefatos havia linguagens diferentes. E para cada linguagem, um suporte físico onde registrá-la. A pintura dependia da tela. As palavras, do papel. Para comunicar a pintura, era preciso transmitir a tela. E o humano viu no suporte uma coisa; e nela, um empecilho. O humano dependia do suporte para obter a essência do que desejava. E o humano, que conseguira entender e transformar a coisa, partia agora para entender e dominar a essência das manifestações humanas: a linguagem. E tratou de dominar as linguagens. E criar uma linguagem que a todas abarcasse. Ou as traduzisse em uma única, manipulável. E codificou o mundo, e unificou os códigos. E, este código único, trata de torná-lo constituinte dos artefatos tecnológicos. E os artefatos tecnológicos trocam informações entre si. Compartilham uma linguagem comum. E conversam entre si, sem que o humano participe de cada etapa desse diálogo.
Era 1991, e Mark Weiser afirmava que “as mais profundas tecnologias são aquelas que desaparecem.
Elas se misturam no tecido da vida cotidiana até o momento em que não se pode mais distingui-las”. E não podemos distinguir o humano da tecnologia. Somos os artefatos que construímos. Há tecnologias que desaparecem por serem microscópicas, que não se deixam perceber; há tecnologias que desaparecem por serem imensas, que abarcam e transformam nossa percepção. Apague a luz.
Elas se misturam no tecido da vida cotidiana até o momento em que não se pode mais distingui-las”. E não podemos distinguir o humano da tecnologia. Somos os artefatos que construímos. Há tecnologias que desaparecem por serem microscópicas, que não se deixam perceber; há tecnologias que desaparecem por serem imensas, que abarcam e transformam nossa percepção. Apague a luz.
Era ainda a década de 1990 e o mundo técnico-científico-informacional de Milton Santos se fez. É este que está aí, aqui. É um mundo de artefatos tecnológicos que dialogam entre si. É um mundo das
tecnologias infiltradas, das tecnologias que, quanto mais poderosas, mais invisíveis.
tecnologias infiltradas, das tecnologias que, quanto mais poderosas, mais invisíveis.
E a cidade é o espaço de convivência entre o humano e os artefatos. A cidade é um artefato tecnológico. E amalgamadas no espaço urbano, as tecnologias tornam-no meio de comunicação e troca constante de informações entre o humano e os artefatos, entre próprios artefatos, independentes do humano. A cidade é o meta-artefato tecnológico. A cidade é o resultado e a possibilidade de trocas
materiais e imateriais mediadas por artefatos tecnológicos.
materiais e imateriais mediadas por artefatos tecnológicos.
Mas além do mundo de coisas, além das contingências do tempo e do espaço, havia um outro espaço,
imaterial, um espaço ampliado pela religião, magia, metafísica, arte. Havia um mundo que dependia da vontade, da crença. Era um mundo além. Era um mundo outro. E esse mundo se fez artefato. E os
artefatos tecnológicos criam os espaços ampliados, e ampliam a percepção humana dos espaços. Um
espaço ampliado amalgamado no espaço cotidiano. Amálgamas, amálgamas, amálgamas. Por que não há outro. Não há um além. A cidade como um meta-espaço. Mais que um espaço ampliado, um espaço intensificado.
imaterial, um espaço ampliado pela religião, magia, metafísica, arte. Havia um mundo que dependia da vontade, da crença. Era um mundo além. Era um mundo outro. E esse mundo se fez artefato. E os
artefatos tecnológicos criam os espaços ampliados, e ampliam a percepção humana dos espaços. Um
espaço ampliado amalgamado no espaço cotidiano. Amálgamas, amálgamas, amálgamas. Por que não há outro. Não há um além. A cidade como um meta-espaço. Mais que um espaço ampliado, um espaço intensificado.
E é um espaço ampliado, um espaço intensificado que não depende da vontade e das crenças de
indivíduos ou grupos. Não há ritos, Não há transes. Um espaço intensificado, ampliado pela invisibilidade onipresente da tecnologia. Tecnologias infiltradas, tecnologias que ampliam as capacidades comunicativas e interativas do humano, independentemente da consciência do humano em cada ação.
indivíduos ou grupos. Não há ritos, Não há transes. Um espaço intensificado, ampliado pela invisibilidade onipresente da tecnologia. Tecnologias infiltradas, tecnologias que ampliam as capacidades comunicativas e interativas do humano, independentemente da consciência do humano em cada ação.
E era uma vez um mundo de coisas. Um mundo de objetos e ferramentas e sabedoria. Um mundo de
artefatos tecnológicos e ciência. Um mundo de tecnologias infiltradas. Um mundo de computação ubíqua. Um mundo humano.
artefatos tecnológicos e ciência. Um mundo de tecnologias infiltradas. Um mundo de computação ubíqua. Um mundo humano.
Fábio Duarte é professor e pesquisador em gestão e mobilidade urbana, cidade e tecnologia na PUC-PR. http://www.pucpr.br/ppgtu
Rodrigo Firmino é professor e pesquisador em gestão urbana, arquitetura e urbanismo, vigilância urbana e controle do espaço na PUC-PR. http://www.pucpr.br/ppgtu . twitter/rodrigo_firmino
Rodrigo Firmino é professor e pesquisador em gestão urbana, arquitetura e urbanismo, vigilância urbana e controle do espaço na PUC-PR. http://www.pucpr.br/ppgtu . twitter/rodrigo_firmino
Nenhum comentário:
Postar um comentário